Datacentres estão na moda, ao menos o termo, que o povo ludita resolveu tratar como sinônimo de “prédio malvado cheio de IA que some com água e mata bebês-panda”, o que não passa de uma bobagem. Datacentres não são nada disso, nem são uma novidade, ao menos nenhum dos mais de 8.177 existentes, são.
Sei lá, eu só pedi… (Crédito: Z Image Turbo/Carlos Cardoso/Meio Bit)
Na prática, Datacentre é o que a gente chamava antigamente de CPD, um monte de computador junto, temperatura glacial, um barulho da poha e inexplicavelmente uma dona de biquíni, ao menos nos anúncios sexistas dos Anos 60.
Hoje está tudo muito mais automatizado, datacentres são corredores sem-fim de racks com servidores conectados por links de alta-velocidade, todos administrados remotamente. Esses servidores podem ser especializados em storage, processamento, virtualização… a lista é enorme, e players gigantescos do mercado, como a AWS e Azure, faturam horrores.
A Internet depende de datacentres, o que torna o hate contra eles ainda mais irônico. A pessoa usa o Facebook, que roda em datacentres, para despejar bile dizendo que eles não deveriam existir.
Eles existem, Karen, e com as demandas de IA, vão existir mais ainda, com suas altas demandas de energia. E não, não vou incluir “água”, isso é uma bobagem espalhada pelo povo anti-IA. Um datacentre não faz a água magicamente desaparecer. Os sistemas que usam refrigeração líquida o fazem com ciclo fechado, a pouca perda existente se dissipa na atmosfera. Nenhum equipamento malvadão transporta a água para a Zona Negativa ou algo assim.
A variável principal continua sendo energia, e mesmo com empresas investido em parques eólicos, solares e nucleares, ainda é muito caro. O que torna a proposta de Elon Musk e outras empresas meio sem-sentido. Qualquer coisa no Espaço é 10x mais cara que em terra. É mais ou menos como o mar, motivo pelo qual a Microsoft encerrou o Projeto Natick, aquele datacentre que ficaria alguns anos no fundo do mar, refrigerado pelas águas frias da costa da Escócia.
Deu certo, mas o custo total não compensou.
Mas por que o espaço?
43% do custo de manter um datacentre é energia, e isso vem de uma pesquisa de antes da proliferação de IA, com sua GPUs sedentas de elétrons. Adequar as grades existentes está se tornando cada vez mais complicado. Não há uma abundância energética em qualquer lugar do mundo, e a construção de infra nova não é simples.
Hidro está basicamente esgotada, e com o custo ambiental, saiu de moda. Termoelétricas fazem a Greta chorar. Energia nuclear é o ideal, mas fora a montanha de burocracia, a construção de uma usina leva entre 7 e 15 anos, ninguém vai esperar isso tudo.
Construir datacentres no espaço tem como principal vantagem, energia gratuita ilimitada. OK, não exatamente gratuita, mas com painéis solares em órbita geoestacionária (35.786 km de altitude) eles ficam fora da sombra da Terra, e recebem luz solar 24/7.
A desvantagem da grande altitude é que é induzida uma latência bem grande (reclame com Einstein), mas datacentres usados para treinar modelos de IA não precisam de resposta instantânea.
A outra vantagem é que no Espaço o Seu Barriga não consegue respirar, então não tem como cobrar aluguel, todos os custos de aquisição ou locação de terrenos caem por terra.
E aqui acabam as vantagens de datacentres no espaço.
O principal problema é custo. A menos que a Starship seja certificada e baixe realmente os custos de kg em órbita, é inviável enviar centenas de toneladas, mesmo em um Falcon Heavy, com custo de US$ 1.500/kg.
Custo por kg de carga útil em órbita, por foguete (Crédito: World in Data)
Um datacentre orbital sofre do mesmo problema de um submarino: precisa de muita redundância, para continuar funcionando mesmo com as inevitáveis falhas de componentes, sem intervenção humana, com manutenção zero. E quando degradar abaixo de um nível mínimo, ele é descartado, mesmo com componentes ainda funcionais.
Isso aumenta o custo inicial e, principalmente, a massa.
O outro problema é a refrigeração. No espaço não há ar para carregar o calor, toda nave espacial é basicamente uma garrafa térmica. A única forma de eliminar o calor é via radiação infravermelha.
Qualquer objeto com temperatura acima do zero absoluto (-273C) emite radiação eletromagnética, é a chamada radiação de corpo negro. Por isso metal aquecido brilha. Na faixa de −100 °C a 120 °C essa radiação fica na faixa do infravermelho, que nós percebemos como calor.
Segundo as Leis da Física, esses fótons emitidos serão absorvidos por outros átomos, por isso seu forno elétrico funciona, e a tendência é sua coxa de frango esquentar até atingir a temperatura da resistência do forno.
No espaço um painel de um radiador emite fótons infravermelhos contra um Espaço que tem uma radiação térmica de fundo de mais ou menos 2,7 Kelvin, o que é quase tão frio quanto coração de ex.
Nota: Isso não quer dizer que o Espaço tenha uma temperatura. O vácuo não é frio nem quente, esse valor é a energia térmica que ele recebe de todos os lados, e quanto atinge um objeto, se torna temperatura.
Radiadores solares na Estação Espacial Internacional (Crédito: Reprodução Internet)
Na Estação Espacial Internacional o calor dos tripulantes, equipamentos e do ambiente, aquecido pela radiação solar se acumularia em poucas horas atingindo temperaturas incompatíveis com a vida, se não fosse o imenso sistema de refrigeração, que usa radiadores passivos (ui!) e bombas de amônia para refrigerar partes mais críticas, mas que no final transportam o calor para os radiadores também.
Esse método tem alguns problemas. É EXTREMAMENTE ineficiente, vide nossos PCs, que há muito deixaram de usar coolers passivos, mesmo um Raspberry Pi funciona mais confortável com uma ventoinha soprando no dissipador.
A capacidade de dissipação térmica segue a lei de Stefan-Boltzmann para transferência radiativa de calor:
Q = ε × σ × A × (T − Tespaço)
Onde:
- Q = taxa de rejeição de calor
- ε = emissividade
- σ = constante de Stefan-Boltzmann (5,67 × 10⁻⁸ W/m²·K⁴).
- A = área da superfície (≈ 43 m² por painel).
- T = temperatura do radiador (≈ 300 K ou 27 °C em operação média).
- Tespaço ≈ 3 K (fundo cósmico de micro-ondas; o termo Tespaço é praticamente desprezível).
Ou seja: Até violarmos as Leis da Física, a capacidade de rejeição térmica máxima de um painel da ISS é de 370 W/m². No total a Estação consegue eliminar menos de 100KW de calor.
E isso em condições ideais, com os computadores mantendo sempre os radiadores perpendiculares ao Sol. Do contrário, assim que a luz solar os atinge, eles deixam de ser radiadores e viram aquecedores, atingindo rapidamente mais de 120C de temperatura.
Um Datacentre espacial precisará de radiadores de calor comicamente grandes para funcionar a contento. O que significa mais massa, e mais custos de lançamento.
Conclusão
Nos moldes atuais, datacentres no espaço são uma péssima idéia, caros, ineficientes e sem uma justificativa clara; sai mais barato investir pesado em fontes de energia alternativas, mas talvez, pensando grande, eles façam sentido.
Em 1945 Arthur C. Clarke propôs, em seu seminal paper Extra Terrestrial Relays (cuidado, PDF) a construção de grandes estações espaciais em órbita geoestacionária (calculada por ele, chamada até hoje de Órbita de Clarke) que retransmitiriam sinais de rádio e TV, conectando todos os cantos da Terra.
Em 1960 a NASA lançou o Echo 1, seu primeiro satélite de comunicações, um balão de Mylar com 30 metros de diâmetro, feito para refletir sinais de rádio. A idéia de Clarke estava correta.
Ele foi desinflado (Crédito: NASA)
Grandes datacentres espaciais, tripulados, eliminaria o custo de extrema redundância, com a possibilidade de manutenção preventiva e emergencial. O hardware poderia existir em ambiente atmosférico, barateando as soluções de refrigeração direta, deixando a complexidade para os sistemas de radiadores, e o calor excessivo poderia ser usado para acionar geradores, diminuindo a exigência de painéis solares.
Faz sentido? Atualmente não. No futuro, quem sabe?