Empresário provinciano chamativo que tentou catapultar um pequeno banco brasileiro para a elite do setor, Daniel Vorcaro teve um a ascensão vertiginosa quase tão espetacular quanto sua queda.
Aos 42 anos, o banqueiro ostentava os símbolos da riqueza, investindo em um hotel de luxo e em um time de futebol, enquanto a rápida expansão do Banco Master chamava atenção entre figurões das finanças na maior economia da América Latina. Mesmo sem presença internacional relevante, o novato assumiu os espaços de escritório mais caros tanto em Londres quanto em Miami.
Mas o espetáculo escondia tensões crescentes. Hoje, Vorcaro é monitorado por uma tornozeleira eletrônica após 11 dias sob custódia policial. Ele foi preso no mês passado em São Paulo enquanto se preparava para embarcar em um jato particular rumo a Dubai, em meio a uma investigação sobre um suposto esquema de fraude de R$ 12,2 bilhões envolvendo o Banco Master e um banco estatal.
Horas depois de sua prisão, o Banco Central determinou a liquidação do Master —tudo menos de um dia após o anúncio de um acordo de resgate de R$ 3 bilhões para o banco, firmado por um consórcio de investidores. Vorcaro nega irregularidades e coopera com as autoridades, segundo seus advogados, que insistem que ele não tentava fugir.
O colapso da instituição foi o maior do país em três décadas, disse Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral. “O Master era um banco pequeno e obscuro que cresceu exponencialmente nos últimos anos, explorando brechas do sistema financeiro brasileiro”, afirmou.
O escândalo repercutiu não apenas no setor financeiro, mas também na capital, Brasília (DF), onde o empresário era conhecido por suas conexões com políticos influentes.
Filho de um incorporador de Minas Gerais, Vorcaro era um outsider frente às elites tradicionais das finanças de São Paulo e Rio de Janeiro. Ele seguiu o pai no negócio imobiliário antes de migrar para o setor financeiro em 2017, quando liderou um grupo que comprou a instituição problemática que viria a se tornar o Banco Master.
Fundado nos anos 1970 como corretora, o Master virou banco nos anos 1990, mas enfrentou dificuldades. Após a aquisição por Vorcaro, ganhou tração, ampliando operações em crédito pessoal e consignado e mudando o nome de Banco Máxima para Master em 2021.
Mesmo muito menor que gigantes como Itaú Unibanco e Bradesco, o Master buscava desafiar os incumbentes na avenida Faria Lima, a “Wall Street” paulistana. Contratou como consultores um ex-ministro da Fazenda e um ex-presidente do Banco Central, além do escritório da esposa de um ministro do STF.
A chave para sua ascensão foi oferecer CDBs (Certificado de Depósito Bancário) com rendimento elevado —um produto de renda fixa popular no Brasil, com prazos de um mês a cinco anos.
O Banco Master pagava taxas muito superiores às de instituições similares —até 130% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário). Plataformas de investimento o ajudaram a captar dezenas de bilhões de reais, reforçando aos clientes que havia garantia do FGC (Fundo Garantidor de Créditos) até R$ 250 mil.
Como captava recursos a custos elevados, o Master precisava obter retornos fortes para remunerar investidores. O dinheiro era frequentemente direcionado a ativos considerados arriscados e difíceis de vender, como dívidas de órgãos públicos e precatórios.
Vorcaro também investia em empresas em crise. Com a aquisição de outros pequenos bancos, o total de ativos saltou de R$ 3,7 bilhões em 2019 para R$ 86 bilhões em março deste ano.
Alexandre Chaia, sócio-fundador e gestor da Carmel Capital, disse que alguns ativos no balanço pareciam superavaliados. “Para pagar os retornos que prometia, o Master tinha que comprar ativos mais arriscados, o que pode gerar problemas de liquidez —como ocorreu”, afirmou.
Os gastos de Vorcaro começaram a chamar atenção. Colunas sociais registraram imóveis de luxo e uma festa de debutante extravagante para sua filha em 2023. Nesse mesmo ano, ele comprou uma fatia minoritária do clube Atlético Mineiro.
“Ele tinha um estilo de vida muito extravagante, até para um banqueiro. Não sei como conseguia pagar”, disse um empresário que fez negócios com ele.
Sinais de alerta apareceram antes do colapso. A Warren Investimentos bloqueou produtos do Master em 2023 por preocupação com o volume de emissões de alto rendimento e falta de transparência sobre ativos e responsabilidades do banco.
“Não tínhamos nenhuma informação corporativa. Era uma caixa-preta de governança”, disse o gestor Frederico Nobre.
O Financial Times enfrentou problemas semelhantes em fevereiro ao apurar o aluguel do andar superior do 22 Bishopsgate, no centro financeiro de Londres.
Fontes disseram ao FT que o Master assinou o aluguel mais caro da cidade —122 libras por pé quadrado, ou cerca de R$ 9.522 por m²— apesar de não ter operações conhecidas no país. O FT teve dificuldade para obter confirmação do banco, que depois afirmou que suspendeu os planos de abrir escritório em Londres por mudança de estratégia.
Um relatório interno do Banco Central meses depois apontou que o Master enfrentava problemas de liquidez desde julho de 2024, levando Vorcaro a vender ativos —incluindo para o banco estatal BRB.
O ponto de virada veio em março, quando o Master concordou em vender 58% de si mesmo por 75% do valor contábil —cerca de R$ 2 bilhões— ao BRB, controlado pelo governo do Distrito Federal.
Vorcaro dizia que o negócio resolveria os problemas de financiamento. Mas críticos viram a operação —que criaria uma instituição com cerca de R$ 100 bilhões em ativos— como um resgate público.
Bancos privados haviam rejeitado a compra, segundo fontes do setor. “É muito claro que houve pressão política para fechar esse negócio, não lógica empresarial”, disse um banqueiro sênior.
O Banco Central vetou a transação em setembro após meses avaliando se o BRB tinha condições de absorver o Master. Nesse ponto, reguladores e policiais já investigavam atividades consideradas suspeitas.
Um documento judicial visto pelo FT, que autorizou buscas e apreensões, afirma que a polícia identificou a suposta venda de carteiras de crédito falsificadas do Master ao BRB, somando R$ 12,2 bilhões.
Investigadores acreditam que gestores do banco estatal foram cúmplices no esquema, que envolvia empresas de fachada e buscava melhorar a liquidez do Master durante o processo de aquisição.
O Banco Central também suspeitava de crimes porque parte dos empréstimos consignados nas carteiras simplesmente não existia, segundo o relatório interno.
Quatro executivos do Master também foram presos e depois soltos. O juiz suspendeu temporariamente o presidente e o diretor financeiro do BRB, que acabaram demitidos. A polícia apreendeu R$ 230 milhões em bens de alto padrão —jato particular, carros, relógios, joias e obras de arte.
Vorcaro foi fotografado deixando a prisão de chinelos, camiseta branca e boné, carregando uma Bíblia.
Seus advogados rejeitam todas as acusações e dizem que ele nunca foi investigado pelo Banco Central. “A base da investigação contra Daniel Vorcaro é um fato inexistente até agora”, afirmaram. “Não há fraude de R$ 12 bilhões.”
A defesa argumenta que os empréstimos no centro das investigações foram gerados por terceiros e não transferidos definitivamente ao BRB. Afirma ainda que o Master, “de boa-fé”, substituiu ativos sem documentação adequada por outros regulares.
O BRB afirmou que sempre atuou dentro dos padrões de conformidade e transparência. Disse que mais de R$ 10 bilhões dos ativos citados foram substituídos ou liquidados, e que o restante não tinha exposição direta ao Master. Também informou ter contratado investigação independente, reforçado controles internos e ser credor no processo de liquidação.
Enquanto o Master é desmontado, o Banco Central afirma não haver risco sistêmico. Com 1,6 milhão de investidores em seus produtos de renda fixa, o FGC deve desembolsar R$ 41 bilhões —cerca de um quarto dos seus ativos. A conta será paga pelo sistema financeiro.
Embora alguns tenham elogiado a atuação do BC como sinal de independência, outros dizem que o órgão deveria ter agido antes e pedem reformas para evitar o uso estratégico do FGC.
Como resumiu o gestor Nobre: “O Master encontrou uma brecha e agiu conforme os incentivos do sistema para ganhar.”
Fonte: Folha SP